A expressão "aprendizado de línguas" abrange dois conceitos claramente distintos, porém raramente compreendidos. Um deles é o de receber informações a respeito da língua, transformá-las em conhecimento através de esforço intelectual e acumular este conhecimento pelo exercício da memória. O outro refere-se ao desenvolvimento da habilidade funcional de interagir com estrangeiros, entendendo e falando sua língua. O primeiro conceito é denominado em inglês de language learning, enquanto que para o segundo, usa-se o termo language acquisition, sendo que um não é decorrência natural do outro como demonstramos a seguir.
A distinção entre acquisition e learning é uma das hipóteses (a mais importante) estabelecidas pelo norte-americano Stephen Krashen em sua respeitada teoria sobre aprendizado de línguas estrangeiras.
LANGUAGE ACQUISITION (ASSIMILAÇÃO)
Language acquisition refere-se ao processo de assimilação natural, intuitivo, subconsciente, fruto de interação em situações reais de convívio humano em ambientes da língua e da cultura estrangeira, em que o aprendiz participa como sujeito ativo. É semelhante ao processo de assimilação da língua materna pelas crianças; processo este que produz habilidade prático-funcional sobre a língua falada e não conhecimento teórico; desenvolve familiaridade com a característica fonética da língua, sua estruturação e seu vocabulário; é responsável pelo entendimento oral, pela capacidade de comunicação criativa, e pela identificação de valores culturais.
Em metodologias inspiradas em acquisition, ensino e aprendizado são vistos como atividades que ocorrem num plano pessoal-psicológico. Uma abordagem inspirada em acquisition valoriza o ato comunicativo e desenvolve a autoconfiança do aprendiz.
Exemplo clássico de language acquisition são os adolescentes e jovens adultos que residem no exterior durante um ano através de programas de intercâmbio cultural, atingindo um grau de fluência na língua estrangeira próximo ao da língua materna, porém, na maioria dos casos, sem nenhum conhecimento a respeito do idioma.
Não têm sequer noções de fonologia, nem sabem o que é perfect tense, verbos modais, ou phrasal verbs embora saibam usá-los intuitivamente.
LANGUAGE LEARNING (ESTUDO FORMAL)
O conceito de language learning está ligado à abordagem tradicional ao ensino de línguas, assim como é ainda hoje geralmente praticada nas escolas de ensino médio. A atenção volta-se à língua na sua forma escrita e o objetivo é o entendimento pelo aluno da estrutura gramatical e das regras do idioma, cujas partes são dissecadas e analisadas. É uma tarefa que exige esforço intelectual e capacidade dedutivo-lógica. A forma tem importância igual ou maior do que a comunicação. Ensino e aprendizado são vistos como atividades num plano técnico-didático delimitado por conteúdo. Ensina-se a teoria na ausência da prática. Valoriza-se o correto e reprime-se o incorreto. Desvios são constantemente corrigidos, deixando pouco lugar para espontaneidade. O professor assume o papel de autoridade no assunto e a participação do aluno é predominantemente passiva. No caso do inglês ensina-se por exemplo o funcionamento dos modos interrogativo e negativo, verbos irregulares, modais, etc. O aluno aprende a construir frases no perfect tense, mas dificilmente saberá quando usá-lo.
É um processo progressivo e cumulativo, normalmente atrelado a um plano didático predeterminado, que inclui memorização de vocabulário e tem por objetivo proporcionar conhecimento metalinguístico. Ou seja, transmite ao aluno conhecimento a respeito da língua estrangeira, de seu funcionamento e de sua estrutura gramatical com suas irregularidades, de seus contrastes em relação à língua materna, conhecimento este que espera-se venha a se transformar na habilidade prática de entender e falar essa língua. Entretanto, este esforço de acumular conhecimento sobre a língua com todas suas irregularidades torna-se frustrante na razão direta da falta de familiaridade com a língua.
Exemplo clássico de language learning são os inúmeros graduados em letras, com conhecimento sobre a língua e sua literatura, já credenciados, porém ainda com claras limitações em se comunicarem na língua que teoricamente poderiam ensinar.
INTERRELAÇÃO ENTRE ACQUISITION E LEARNING E IMPLICAÇÕES
O claro entendimento das diferenças entre acquisition e learning possibilita investigar as suas interrelações e suas implicações no ensino de línguas.
Em primeiro lugar, devemos considerar que línguas, em geral, são fenômenos complexos, arbitrários, irregulares, repletos de ambiguidades, em constante evolução aleatória e incontrolável. Portanto, a estrutura gramatical de uma língua pode ser demasiadamente complexa e abstrata para ser categorizada e definida por regras.
Mesmo que algum conhecimento parcial do funcionamento da língua seja alcançado, o mesmo não se transforma em habilidade comunicativa. O que ocorre na verdade é uma dependência predominantemente contrária: compreender o funcionamento do idioma como um sistema e conhecer suas irregularidades, depende de familiaridade com o mesmo. Tanto regras como exceções só farão sentido e encontrarão ressonância quando já tivermos desenvolvido um certo controle intuitivo sobre o idioma na sua forma oral; só quando já o tivermos assimilado.
Krashen admite, por outro lado, que o conhecimento obtido através do estudo formal (language learning) pode servir para monitorar a fala. Krashen, entretanto, não especifica a língua que seria o objeto de estudo, mas é de se supor que estava se referindo e baseando suas inferências e conclusões no ensino de espanhol, cujo estudo e ocorrência como língua estrangeira predomina sobre outras línguas nos EUA e especialmente no estado da Califórnia, onde o Prof. Krashen reside e trabalha.
Torna-se portanto necessário investigar as características da língua-alvo, seus graus de irregularidade e dificuldade, e como estes afetam a aplicabilidade da teoria de Krashen. É necessário também analisarmos as características de personalidade dos protagonistas da relação ensino-aprendizado e do ambiente em que esta ocorre.
O GRAU DE IRREGULARIDADE DA LÍNGUA E A EFICÁCIA DE ACQUISITION
É evidente que a eficácia da função de monitoramento da fala (proporcionado pelo conhecimento gramatical) é diretamente proporcional ao grau de regularidade encontrado na língua objeto de estudo. Isto porque, havendo regularidade, poderemos estabelecer regras que serão úteis para o aprendiz produzir e monitorar sua linguagem. Por outro lado, quanto menor a regularidade, tanto menor o número de regras e a utilidade das mesmas, e mais limitada a possibilidade de monitoramento.
CORRELAÇÃO ORTOGRAFIA x PRONÚNCIA: É notório o alto grau de regularidade de uma língua como o espanhol, principalmente sua quase perfeita correlação entre ortografia e pronúncia, quando comparado ao inglês. Portanto, ao interpretarmos a teoria de Krashen, podemos logicamente deduzir que suas conclusões em relação à superioridade de acquisition sobre learning seriam mais enfáticas se seu objeto de estudo e análise tivesse sido o inglês como língua estrangeira ao invés do espanhol.
ACENTUAÇÃO TÔNICA: Some-se a isso a imprevisibilidade de acentuação tônica das palavras em inglês e a ausência de qualquer indicação ortográfica quanto ao acento tônico e teremos elementos mais do que suficientes para demonstrar que, na nossa realidade brasileira, os argumentos de Krashen adquirem força redobrada.
São muitos os aspectos que contrastam entre inglês e espanhol e demonstram um grau superior de irregularidade e dificuldade do inglês. O fato é que mesmo em se tratando de uma língua-alvo com um grau maior de regularidade como o espanhol, o monitoramento proporcionado porlearning só será eficaz e duradouro se o aluno-aprendiz estiver desenvolvendo, em paralelo, sua familiaridade e sua habilidade com a língua em ambientes próprios.
Continua...
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