mas a maioria não consegue aprender
Por Valéria França
“O inglês é uma batata quente na minha boca”... Estamos no teatro, num dos quadros da peça Cinco Vezes Comédia. É uma história engraçada, de uma mulher, interpretada pela atriz Débora Bloch, atormentada pela dificuldade em aprender inglês. “Meu inglês é tão ruim — conta a personagem, no palco — que, uma vez, me perdi no Central Park e precisei pedir informações. Em vez de perguntar Where am I? (onde estou?), dizia Who am I? (quem sou eu?). As pessoas fugiam pensando que eu era louca.” Depois de experimentar, em vão, todo tipo de curso de inglês, ela resolve se dar a última chance. “The last one”, avisa à platéia. Começa um curso por correspondência chamado Sleeping Learning — aprender dormindo. Um sonho de método! O único esforço que exige do aluno é escutar lições de inglês enquanto dorme. A personagem de Débora Bloch passa a sonhar com personagens de livros didáticos: Peter, Paul, Mary, Bill e Joan, que a envolvem numa trama policial tipo Agatha Christie. Só na última lição, morta de medo — acusada de assassinato, ela é levada à cadeira elétrica —, a moça começa finalmente a dominar a língua. Só que tudo não passou de um sonho.
Fora do palco, aprender inglês é um pesadelo que atormenta um número cada vez maior de brasileiros. Nunca, na História do país, tantas pessoas estudaram um idioma estrangeiro. Nunca os brasileiros viajaram tanto para o exterior nem tiveram tanto contato com palavras e expressões em inglês. Qualquer pessoa, com um mínimo de escolaridade, sabe da importância da língua inglesa para o futuro profissional. E, embora muitos adolescentes e mesmo crianças já tenham incorporado aquele jeito muito americano de expressar satisfação dizendo “Yéeeeees”, na realidade continuamos monoglotas. Há alguns meses, a empresa de comunicações americana AT&T fez uma pesquisa sobre o grau de conhecimento do inglês entre seu público potencial no Brasil, os 20% de maior poder aquisitivo. A pesquisa revelou que nessa faixa, em que quase todos possuem diploma universitário, só 7% são capazes de “se virar” em inglês. “Tivemos de lançar nossa home page na Internet em português, em vez de usar o inglês, como na maioria dos países”, diz Fernando Espuela, gerente de vendas da AT&T, em Miami.
GRAVADOR NO SONO — Vinte milhões de brasileiros estudam inglês atualmente, entre crianças, adolescentes e adultos. Há 3 345 escolas de inglês registradas no país. Isso não significa que todos esses cursos sejam capazes de oferecer um aprendizado eficaz. Um estudo realizado pelo professor Rajendra Rangi Singh, consultor de idiomas para grandes empresas, mostra que metade dos cursos oferecidos no Brasil é de má qualidade (veja quadro). Outros 35% oferecem um aprendizado mediano, e apenas 15% são classificados como bons. “Não faltam picaretagens como o Sleeping Learning”, diz Singh. O método de aprender dormindo existe mesmo. É um curso composto de treze fitas, que devem ser ouvidas todas as noites na segunda meia hora do sono. Um relógio dispara o gravador com a fita da lição de inglês. A propaganda promete que, depois de setenta noites, o aluno, de tanto sonhar com as lições, acordará falando inglês — tal como no teatro. “O aluno aprende mais dormindo porque a concentração durante o sono é maior”, garante Luís Carlos Arruda, diretor do Sleeping Learning.
Aprender inglês é a típica decisão de Ano-Novo da maioria dos brasileiros. São poucos, contudo, os que ao final do ano conseguem ao menos somar algumas palavras novas àquelas que já conheciam. A falta de intimidade com as línguas estrangeiras começa com o ensino deficiente das escolas. É o que mostram as estatísticas dos vestibulares. Todos os anos, cerca de 120 000 estudantes prestam o exame da Fuvest, em São Paulo. A média dos alunos na prova de inglês é 3,5, numa escala de 1 a 10 — uma nota baixíssima, ainda mais porque, segundo a avaliação de Alceu Gonçalves de Pinho, diretor da Fuvest, “o exame é muito fácil”.
Em tempos de globalização, não falar inglês virou motivo de vergonha. Nos seminários de negócios, mesmo os executivos mais ignorantes recusam os fones com tradução simultânea. Preferem assistir às palestras dissimulando a ignorância com um inconfundível ar apalermado à confissão pública de que não sabem inglês. Nas empresas, quando se abrem vagas para executivos, dez em cada dez candidatos garantem o pleno domínio do idioma de Shakespeare. A verdade é bem diferente, informa Marcelo Santos, diretor de Recursos Humanos do Banco de Boston. “A certa altura da entrevista, perguntamos se é possível prosseguir a conversa em inglês”, conta. “Eles em geral se recusam, dizendo que estão com o inglês um tanto enferrujado, mas que com dois ou três meses de treino estará tudo o.k..” Pelo cálculo de Santos, apenas 10% dos candidatos a cargos de gerência ou direção têm um inglês fluente. Outros 45% “quebram o galho” e os 45% restantes não vão além do “the book is on the table” (o livro está sobre a mesa).
ECONOMÊS — O Banco de Boston forma, todos os anos, um grupo de quinze a vinte funcionários de alto escalão, que participam de um programa intensivo de aprendizado de inglês, o English Club. As aulas são voltadas para situações específicas do mundo dos negócios e o vocabulário se concentra no jargão da economia, o economês. “A língua para mim é um instrumento”, diz Pedro Milioni, de 41 anos, diretor do Banco de Boston, que participa do English Club. Fazia 25 anos que Milioni não estudava inglês. Hoje, ele tem aulas individuais dentro da empresa. Seu professor, o americano Douglas Gouveia, não se preocupa em “corrigir” o sotaque dos alunos. “Sotaque é uma coisa, pronúncia é outra. O sotaque é parte da personalidade de cada um. Devemos nos orgulhar dele, assim como nos orgulhamos de nossa aparência física.”
TREZENTAS HORAS — Separar uma boa escola de uma arapuca é simples: basta não acreditar em milagres. “Não existe método mágico de aprendizado”, informa Raymond Maddock, professor especialista em métodos de ensino. Trezentas horas de aula é a carga mínima de tempo necessária para começar a falar a língua, segundo ele. Isso corresponde a quase dois anos, sem férias, com três horas de aula por semana, mais uma hora diária para o estudo em casa.
Para quem tem tempo e recursos, uma opção cada vez mais usada é ir aprender inglês no exterior. Nos últimos dois anos, o número de brasileiros que embarcaram para os Estados Unidos com o propósito de estudar o idioma aumentou em média 60%. Só no ano passado, estima-se que 20 000 estudantes, de todas as idades, tenham saído do país para aprender inglês. Esse tipo de curso só é recomendado para quem já tem noções básicas do idioma antes de viajar. “Um aluno sem conhecimento da língua passa por tantas dificuldades que acaba traumatizado”, explica Irene Felman, da Associação Alumni, um centro de ensino e intercâmbio de inglês. Um caso exemplar é o de Armando Ambrosio, de 47 anos, gerente de vendas da Johnson & Johnson. Ele não falava quase nada de inglês. Por isso, a empresa resolveu mandá-lo para um curso de uma semana nos EUA. Terminadas as aulas, ele e a mulher foram para San Francisco. Ambrosio achava que já estava dominando a língua. Atrapalhou-se no primeiro restaurante. Para fazer um pedido, ele precisou fazer mímicas e sons esquisitos que imitavam animais. “Foi um vexame!”, conta. Ambrosio queria comer camarão e não sabia a palavra equivalente em inglês (shrimp). Depois de ser ajudado por freqüentadores americanos do restaurante, ele teve de comer a lagosta que lhe foi servida.
Avalie seu curso de inglês
Um especialista em ensino de línguas, o sul-africano Rajendra Rangi Singh, pesquisou as escolas de inglês no Brasil, classificando-as como ruins, médias e boas. Veja a porcentagem que corresponde a cada um desses conceitos e os critérios para avaliar uma escola
50% ruim
O método de ensino é ultrapassado: dá mais importância à gramática do que à conversação. Não oferece material de apoio (laboratórios, equipamentos de multimídia, biblioteca). Alta rotatividade de professores, mal pagos e sem formação universitária
35% média
A escola é bem-intencionada. Preocupa-se em avaliar a própria qualidade do ensino e o aproveitamento dos alunos. Mas não tem capital para investir em recursos tecnológicos mais modernos
15% boa
Está atualizada do ponto de vista pedagógico e tecnológico. Aplica a sequência ideal para o aprendizado: o aluno aprende a ouvir, falar, ler e por último a escrever em inglês. A oferta de cursos leva em conta as diferentes necessidades dos alunos
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